Assinatura e Registro de Cessões de Direito Real de Uso celebradas pelos Parques Eólicos e Anuência do Credor Hipotecário.
Tendo em vista o fato de que não raras vezes os Tabelionatos de Notas e Cartórios de Registro de Imóveis exigem a anuência de credor hipotecário para lavratura de escritura pública de cessão de uso para exploração de atividade de geração de energia eólica e o subsequente registro imobiliário, gostaríamos de aduzir as seguintes considerações:
Primeiramente, em razão da necessidade de bem delimitar a questão, esclarecemos que estamos considerando apenas as operações de crédito denominadas CÉDULA DE PRODUTO RURAL (CPR) e CÉDULA DE CRÉDITO RURAL (CCR), frente ao instituto da cessão de uso.
Lembrando que a cessão de uso é espécie de direito real que não importa na alienação do bem, desde que se enquadra dentre os chamados direitos reais em coisa alheia ou limitados (jus in re aliena). (in.: Direitos Reais, Orlando Gomes, Ed. Forense 19ª Edição, 2008, p.17)
Assim, tem-se que a CÉDULA DE PRODUTO RURAL foi instituída pela Lei Federal n.º 8.929, de 22 de agosto de 1994, sendo que inexiste nesse ordenamento qualquer previsão quanto à necessidade de anuência do credor para alienação ou transferência de direitos reais vinculados ao bem ofertado em garantia, seja qual for a modalidade (hipoteca, penhor ou alienação fiduciária).
Aliás, especificamente sobre a hipoteca, cumpre desde logo mencionar o que dispõe o artigo 1.475 do Código Civil:
Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.
Tal preceito apenas reforça um princípio fundamental dos direitos reais, tendo em vista que não existe vedação de alienação de imóvel hipotecado, pois em função do direito de sequela o credor tem a prerrogativa de seguir o imóvel em poder de quem quer que o detenha. A exceção seriam as operações vinculadas ao SFH.
Via de consequência, não é possível equiparar em todos os aspectos a cessão de uso e a alienação, uma vez que o alienante efetivamente transfere o direito real, enquanto que o cessionário o exercerá sobre coisa alheia, logo o cedente não perde a propriedade.
Por sua vez, as CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL (CCR) são disciplinadas pelo Decreto-Lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967, sendo que o seu artigo 59, disciplina o seguinte:
Art. 59. A venda dos bens apenhados ou hipotecados pela cédula de crédito rural depende de prévia anuência do credor, por escrito. (grifo nosso)
Novamente, portanto, exsurge a indubitável diferenciação entre a venda (alienação) e a cessão de uso. A primeira implica na efetiva transferência do direito real sobre coisa própria (jus in re propria) enquanto que o segundo, outorga ao cessionário o exercício de direito real na coisa alheia (jus in re aliena), sem que o cedente se desvincule da propriedade, ou seja, o bem não sai da sua esfera patrimonial.
Esta evidente diferenciação quando confrontada com o citado artigo 59 do Decreto-Lei n.º 167/67, conduz ao entendimento de que a instituição de cessão de uso, ou seja, direito real sobre coisa alheia, também não esta subordinada à anuência do credor hipotecário vinculado a contrato de Cédula de Crédito Rural, uma vez que inexiste alienação ou venda, permanecendo o imóvel na esfera patrimonial do devedor original. Note-se que nesse caso não haveria sequer que se falar em direito de sequela, uma vez que o bem não é transferido (jus in re aliena).
Em verdade a própria legislação que instituiu a CÉDULA DE CRÉDITO RURAL tratou de limitar a hipótese de anuência do credor, desde que é clara ao referir que a venda importará em anuência, inexistindo menção à transferência de outros diretos reais de titularidade do proprietário, afinal tal exigência nem faria sentido, uma vez que a transferência de direito real, não implica, necessariamente, em transferência da propriedade.
Tal característica ganha ainda mais evidência quando se está diante de cessão de uso para fins de exploração de atividade de geração de energia eólica, uma vez que esse instrumento garante ao proprietário o direito e as condições para que de fato continue a desenvolver suas usuais atividades de agricultura e pastoreio, ou seja, não existe alteração da destinação do imóvel dado em garantia.
Mas de qualquer forma, vale repisar que o titular de garantia real tem o direito de sequela, ou seja, seguir o imóvel em poder de quem quer que o detenha, podendo executar a garantida ainda que tenha sido transferida para o patrimônio de terceiro, afinal trata-se de garantia real que adere ao bem e não a pessoa do devedor.
Lembrando que a cessão de uso não acarreta a transferência, eis que exercido sobre coisa alheia.
Diante disso, é possível concluir que:
– por inexistência de previsão legal, a hipoteca garantidora da CÉDULA DE PRODUTO RURAL não demanda anuência do credor hipotecário para a transferência de direito real sobre o bem ofertado em garantia, ainda mais quando se está diante de direito real em coisa alheia, como é o caso da cessão de uso;
– em razão de ser a cessão de uso exercício de direito real em coisa alheia, onde de fato e de direito não existe venda, inexiste o enquadramento desse instrumento na disposição do artigo 59 do Decreto-Lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967;
– em razão da natureza da cessão de uso firmada, não ocorre alteração da destinação do imóvel, sendo ainda garantido o direito de sequela ao credor hipotecário que não terá qualquer dificuldade em exercer a preferencialidade do seu crédito.
Edgard Cavalcanti de Albuquerque Neto.
OAB/PR 32.326
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